Às vezes a gente se sente um
pouco abismado quando as bússolas param sem explicação. É como ir ao
supermercado sem a lista de compras e tentar lembrar cada item que falta em
casa. Pelas prateleiras, vai tateando produtos e rótulos até se convencer de
que tem tudo à mão. Mas sempre falta, e é essa falta inexplicável que aflige.
Duvido que alguém hoje, além de pessoas muito ciosas do próprio corpo e das próprias ideias, saiba ao certo para onde estão empurrando o seu carrinho de compras. Se em círculos ou em linha reta.
Duvido que alguém hoje, além de pessoas muito ciosas do próprio corpo e das próprias ideias, saiba ao certo para onde estão empurrando o seu carrinho de compras. Se em círculos ou em linha reta.
Isso não é muito triste, é
apenas como as coisas são. Triste mesmo é a notícia de que nenhuma das mais de
200 meninas sequestradas pelo grupo terrorista Boko Haram vai ser encontrada um
dia. Triste é imaginar, por um segundo sequer, o que essas meninas sofreram ou
sofrem. Triste é conciliar o relativo bem-estar de parte da humanidade, gozando
tudo que o engenho humano é capaz de inventar, com o assassinato em massa de
garotinhas. Um dia todos nós vamos ter de explicar a uma criança por que o
mundo é um lugar tão bizarro.
Conheço um garoto de sete
anos muito curioso e inteligente. O nome dele é Waldir. O Waldir é louco por
buracos negros, buracos de minhoca e viagens no espaço. Tudo nessa escala dos
anos-luz, essa que nenhum parâmetro humano consegue medir, é motivo para
arquear as sobrancelhas e fazer um milhão de perguntas que só respondo com
auxílio providencial da Wikipedia. Em 20 anos, o mundo do Waldir não será mais
o meu. Até lá, espero que encontrem as meninas nigerianas e deem alguma
satisfação às suas famílias.
Conheço outro garoto de sete
anos chamado Carlos. É um menino esperto, mas não tão esperto quanto o Waldir. Como
qualquer garoto, Carlos gosta de desenhos animados. Entre os seus preferidos, há
um que conta a história de um príncipe bobão com a pele de um branco mortiço metido
a halterofilista que ergue uma espada e se transforma, num segundo, em sua antítese:
um cara forte, desassombrado e bronzeado, metido em sunga de banho, com o cabelo
cortado à surfista que enfrenta as vilanias do reino montado num tigre – antes,
um felino pacato e indolente. A explicação para essa mudança era simples: a
espada. Possuí-la significava poder.
Outro dia, o Waldir falou
assim: se tivesse uma espada, salvaria as garotas do Boko Haram. E depois, já pulando de assunto, me pediu
para explicar o que é singularidade.
Eu respondi que há apenas
suspeitas. Uma delas é que a singularidade é um ponto muito denso no centro de
um buraco negro e que, uma vez ultrapassado esse ponto, tudo é o exato oposto do que acontece no nosso
universo: a gravidade sobe, a luz escurece, a água arranha e o sólido é fluido. Não é exatamente um mundo melhor, eu alertei, enquanto o Waldir desenhava no chão com giz de cera. É apenas diferente.
Lá, por exemplo, as meninas
não são sequestradas e escondidas em algum lugar remoto. Lá, as meninas crescem e depois fazem perguntas engraçadas sobre o tamanho dos anéis de Saturno ou a extensão da Via-láctea.