Cinco meses após consertar o probleminha lá
na ISS, o cosmonauta, como eram chamados os aventureiros do espaço na antiga URSS,
retorna e pousa nas estepes do Cazaquistão, antes parte dessa mesma antiga URSS,
e nas estepes descobre algo que o marcará profundamente, algo que o fará
arrepender-se inclusive de haver deixado pra trás o violão e uma gaita,
presentes do pai no último aniversário, ocasião em que comemorou madrugada
adentro seus 47 anos bem vividos.
O cosmonauta, é o que parece ter acontecido
nesse intervalo entre a travessia da atmosfera e o pouso, relembrou um nome que
havia esquecido ainda na adolescência, quando caiu de uma árvore em cima de um
cavalete e acabou fraturando três costelas.
Esse nome, segundo informou uma fonte em off
na agência espacial russa - embora o aventureiro tenha nacionalidade canadense,
foi na Rússia que se deparou com a primeira de uma série de pistas para encontrar o
que procurava –, tem importância considerável na vida do herói das bordas infinitas,
como é popularmente conhecido no Brasil. A fama advém das investidas do cosmonauta
não apenas através do espaço, mas também da música e da poesia, duas artes que
destampam desvãos mesmo na alma das pessoas comuns, cobradores de ônibus, fiscais
e garçons entre eles.
Esse nome, fizeram questão de sublinhar, recorrendo
a uma linguagem paradoxalmente límpida, diz respeito a alguém a quem o
astronauta amou e que partiu ou foi levado ou, a crer nas histórias que ouvia
da avó inglesa, embarcou numa nave alienígena, tendo forjado sua própria
captura por hordas de planetas estranhos.
“Em resumo, foi tragado pela falta de
memória que encontra no espaço um equivalente físico estonteante”, encerra a
nota da estação espacial russa, uma agência científica com sérias inclinações
literárias. Cada nota da instituição pode ser lida, sem prejuízo, como um poema
– isto se considerarmos também o contrário, que cada poema pode ser lido como
uma nota emitida por uma agência preocupada com a vida fora da Terra.
Nas estepes do Cazaquistão, o cosmonauta
não apenas retornou de uma temporada intensa de cinco meses a bordo da ISS,
estação na qual foi incumbido de reparar problemas de ordem aparentemente
simples – no espaço, porém, a ausência de gravidade tem a estranha capacidade
de tudo converter em brincadeira. Até a morte, quando operada sem efeito da
queda, reação natural à força invisível que nos empurra em direção ao chão,
soa lúdica, irreal, elogiosa.
Nas estepes, o cosmonauta, que tinha feito uma descoberta, disse que só a relevaria dali a oito meses. Na coletiva de
imprensa que se seguiu à chegada bem-sucedida da equipe, habilmente contornou todas as perguntas que se referissem ao mistério do pouso do bólido
em que o aventureiro fora transportado de volta ao seu lugar de origem.
Dentro de oito meses, portanto, saberemos o
que, cercado por uma vegetação árida, pouco propensa a estímulos da imaginação,
surpreendeu o cosmonauta que lê poesia e toca guitarra enquanto os companheiros
de espaço brincam com a comida, que flutua e vaga e volta a se emaranhar nos
fios da nave, uma placa-mãe branca e solta no mar sem gravidade.
É o que todos esperam.