Então é assim que faremos a partir de
agora.
Comento abaixo artigo de Daniel Lins no
jornal O Povo de domingo, vulgo hoje,
véspera do fim do ano.
O artigo dedica-se à “incultura”, tema
derivado das listas de atrações da festa do réveillon, que, como todos sabem,
saiu das mãos da prefeitura petista para as do estado pessebista, de Luizianne
para Cid & Brothers, da gestão que termina para o aliado da que começa.
E o que tenho a comentar pode ser
facilmente resumido em poucas linhas: artigos dessa natureza (propósito
crítico-condenatório) são uma grande oportunidade para fazer desfilar a escola
de samba do vocabulário das ciências humanas, conforme observa-se no texto de Lins.
Como na vinheta de fim de ano da TV Globo, vê-se quase sempre uma “ética dos
afetos” acenando com discrição enquanto a música de fundo convida a audiência a
abraçar mergulhos ufanistas e crenças disparatadas no futuro.
Nesses textos, é espantosa a facilidade com
que o exemplo do nazismo vem à baila. Uma praga. Não tivesse o nazismo existido
e as humanidades ficariam sem parâmetro ao qual fosse possível confrontar o
capitalismo.
Donde, por consequência, se perderia boa
parte da beleza plástica e do efeito retórico da crítica (“Frango com hormônio, e bunda’s music para todos no
Aterro!”).
Impotente, a massa recebe
produtos enlatados, danificados por muita química, quando o mais adequado seria
oferecer-lhe a verdadeira “música orgânica”, livre dos agrotóxicos e dos males
da indústria, alimento a ser consumido de olhos fechados e alma descalça em
total harmonia com o self. Música
que, semelhante à agulha hipodérmica, cuidaria de injetar bons fluidos nos desvalidos
da cultura, animando-os a investir contra esse “terrorismo sem bomba nem arma”
(sic) e esse “racismo de casta”.
Aviões do Forró, Luan
Santana, Zezé di Camargo e Luciano?! Dá cá essa bala mágica.
“A incultura é uma fábrica
para construir alegria e felicidade, através da teologia do ventre, da
promessa de bens materiais e coito à luz do dia.” Se entendi direito, o filósofo
refere-se ao forró e ao axé, duas expressões em voga nos cortejos de fim de
semana da juventude ilustrada da capital alencarina. Nessas festas, em que músicas
de baixíssimo teor poético são acolhidas com entusiasmo, dança-se, no mais das
vezes, até o chão.
É possível conciliar entusiasmo com o texto e, simultaneamente,
empolgar-se numa dessas quermesses descoladas?
Respondo: sim, é. Está tudo registrado nas redes sociais.
O melhor trecho, porém, é
o que destaco agora: “Com seus michês e gigolôs, pagos para anestesiar o desejo
da multidão, e impor o prazer líquido, sem educação ou
ética dos afetos, a incultura é o falso perverso que nos réveillons ou
fortais da vida pode instigar a cidade à prática da violência e uso capitalizado
de drogas”.
A fórmula para o sucesso (público
e crítica) consiste, portanto, no desafio de, superadas as dicotomias postiças que
opõem sexo a afeto e prazer imediato a alteridade, criar uma sonoridade que
reúna uísque, carro novo, partituras de Beethoven e páginas de Marcuse/Gramsci/Deleuze.