Um domingo, ele é feito do quê?, quis saber a menina, antes ativamente entretida com o DVD do Patati Patatá, mas agora dominada por uma curiosidade que se confundia com teimosia e até com o mais agudo – e gratuito – desejo de implicar.
Com tudo, com todos.
Um domingo, tentou explicar como se consultasse na internet a definição da palavra. Um domingo é um dia como outro qualquer, respondeu ao cabo de dez segundos, e a menina não pareceu muito satisfeita com tamanhas falta de originalidade e preguiça. Podia mesmo ter se chateado.
No seu canto, porém, fez que se contentava, que era uma maneira de tentar enganar o restante da casa, a saber, mãe, pai, tio e tia, avô, avó e bisavó.
Tinha caroço nesse angu, vaticinaram os adultos reunidos ao redor da mesa retangular da sala de estar. Subitamente sensibilizados, convocaram uma ligeira assembleia para analisar o status quo doméstico e, mais especificamente, o estado das coisas mais íntimas que se sucediam naquele mundinho infantil onde cada neutrino tinha nome e sobrenome. Não chegaram a lugar algum.
Passou um tempo, passou outro tempo, passou um tempo mais demorado que os dois anteriores. Então lá veio ela do quarto caminhando em passo de formiga. Barbie numa mão, caneta na outra, lembrava um colosso miniaturizado, um deus que, desamparado ante a escalada aparentemente incontornável da estupidez humana, decidisse, sem dar chance para apelos derradeiros, aniquilar toda a espécie com um único golpe de vista: pá!
Pronto, era nosso fim, pensaram todos, escondendo tanto quanto podiam um riso largo e sonoro.
Na verdade, na verdade, a menina havia penado um bocado enquanto refletia sozinha. Na verdade, na verdade, quase chegara a rasgar um desenho que fizera logo cedo.
Tudo por causa daquilo: afinal, o que quer dizer “um dia como qualquer outro”? Firulava os cabelos da boneca, punha a ponta do dedo indicador no ouvido, coçava o queixo, assoava o nariz – nada produzia uma centelha de resultado. Nenhumazinha iluminação, nenhunzinho farelo de possibilidade.
Ora, ele também não saberia esboçar uma boa teoria que explicasse tudo e desse fim ao mistério caso a menina insistisse, e foi o que de fato acabou acontecendo.
Um domingo é o começo do começo do começo de tudo, elaborou, sem muita criatividade e fraca densidade poética. Um domingo é um dia para descansar e apreciar a obra do Criador, e riu ao lembrar-se da quantidade de roupa suja que ainda teria que lavar e do catecismo largado bem no comecinho, há tanto tempo.
O começo de tudo, um descanso, ela repetiu, razoavelmente desconfiada. Por todos os ângulos que encarasse as patacoadas do tio, as respostas lhe soavam tão consistentes quanto bolhas de sabão.
Todavia, era hora do sorvete. Por enquanto, podia deixar tudo como estava.
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