Publicado na Aerolândia Via Aguanambi, jornal O Povo, 19/08/2011
Foi com alguma surpresa que o departamento de marketing da Rede Globo recebeu a informação de que não apenas jogadores de futebol haviam aderido à moda do João Sorrisão, boneco infame que, animado por força exógena, se limita a ir para frente ou para trás. “De repente, toda a equipe responsável pela criação do João, do estagiário ao designer, se entreolhou”, conta, ainda sobressaltado, David Manzo, gerente especial da empresa e responsável pelo visual aspect do programa Esporte Espetacular. “Soubemos ali mesmo que tínhamos ultrapassado as fronteiras do ato comunicacional puro e simples e entrado no imaginário das pessoas”, orgulha-se.
“O Tadeu (Schmidt) bolou de rir e a Glenda (Kozlowski) quase se mijava”, revelou um contínuo da produção de Insensato Coração. Ele ia passando na hora, colou o ouvido atrás da porta e escutou tudo.
Não é para tanto, claro. Todavia, causa espécie o fato de que a Assembleia Legislativa do Estado do Ceará, cujos membros usualmente vestem terno e gravata e se dirigem a seus pares com o máximo de decoro previsto nos códigos de conduta urbana (“seu moleque”, “sua bandida”, “não falo com presidente de time de terceira”, “baitinga daquilo roxo” e por aí vai)... Conforme dizíamos, causa espécie que a AL tenha adotado o João Sorrisão como mascote das sessões ordinárias e extraordinárias. Portanto, cumpre entender os motivos que subjazem à decisão, mas, confesse-se, eles não são claros e podem constituir segredo teleológico.
Afinal, o que há por trás da ingênua arquitetura da mensagem enviada pelo executivo à AL, na última segunda-feira, Dia dos Solteiros? Em letra cursiva, um trecho, interceptado por Heitor Ferrer e logo remetido à Aerolândia Via Aguanambi, diz assim: “O Flamengo, time mais popular do Brasil, abraçou o João Sorrisão. Por que os nobres deputados se recusariam a fazer o mesmo? Doravante, recomenda-se larga utilização do boneco verde-abacate no plenário, nas comissões e nas visitas aos banheiros. Não se furtem a pactuar com mais esta insanidade”. A mensagem foi aprovada ato contínuo seu recebimento.
Entretanto, a medida, interpretada também como mera galhofagem cearense, que sempre produziu grandes nomes na seara do humor escrachado, vem ganhando leitura política de especialistas. Farsis Lopes D’Alembert, 97 anos, cientologista político da Universidade Federal Líquida do Cariri, foi taxativo: “É sintomático da fragilidade democrática que, à maneira dos jogadores, os políticos também queiram comemorar seus gols legislativos semelhantemente. E a diversidade parlamentar, como fica? Considero inaceitável”.
Jogadores de futebol que reprovaram acintosamente o herd behavior (comportamento de manada), que se reflete na homogeneização das comemorações coletivas, empobrecendo-as, sentiram-se pessoalmente atingidos ao lerem no Twitter que deputados gozadores do Ceará emulavam João Sorrisão em plena atividade do mandato. Durante as votações, por exemplo, formam-se filas de parlamentares, que se balançam ridiculamente de um lado para o outro. Para El Loco Abreu, atacante do Botafogo, alguien tiene que ver isso derecho o mais rápido possível. “Gol é gol, time é time, política é política. No se puede mesclar estos instâncias de significado. Acho una demência que representantes de el pueblo estejam a brincar de palhaços”, fulminou o atleta, não sem antes ironizar pergunta de um repórter.
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