Não sei quantas vezes os médicos erram por dia no diagnóstico do sexo dos bebês, mas suponho que não sejam tantas. Imagino que, entre fluidos placentários e outras substâncias misteriosas que orbitam o fiapo de gente em formação, haja mil razões para errar e nenhuma para acertar. Que os fetos, encaracolados na bolsa uterina como caramujos nas conchas, não colaborem, cruzando as pernas como charmosas modelos posando para revistas de moda. Imagino também que a escuridão primordial dentro da barriga da mãe seja um fator impeditivo da acuidade visual da genitália. Na minha cabeça, determinar o sexo dos bebês é mais ou menos como determinar o dos anjos: uma atividade esotérica, mais para o jogo de azar do que para o rigor da medicina, regida por leis que contrariam o bom-senso, a racionalidade e, eventualmente, a paciência de pais e mães. Acontece que, munidos da alta tecnologia, equipados do saber acadêmico, vacinados com as doses necessárias de desconfiança que a ciência lhes aplicou e a
Que rastros a falta de imagens dos homens que se casaram com minhas avós produziu na narrativa fotográfica da família a partir do único álbum que restou íntegro desde o início da década de 1980, ano de meu nascimento e data inaugural da confecção dessa reunião de fotografias? O álbum empobrecido que tenho agora em mãos, mas que me recuso a abrir, reduzido ao osso após tantas perdas, falhas de arquivamento e ações múltiplas de deterioração de suas páginas. As fotos que narram meu próprio crescimento, uma história interrompida por volta dos 18 anos, quando civilmente, para todos os efeitos, nos tornamos adultos. Todas as fases demarcadas com seus momentos-síntese: o batismo, a cerimônia de doutores do ABC, as férias escolares, o banho de mar, uma pose em frente ao monumento em homenagem ao esgotamento sanitário, uma com os irmãos na festa de aniversário, mais uma do meu aniversário de cinco anos, uma foto ao lado do pai, que tem uma bola a seus pés mesmo sem nunca ter sido muito hábil