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Pensem nisso




Adendo ao comentário sobre o artigo do professor Daniel Lins: o que me surpreende é o raciocínio segundo o qual as pessoas – as massas, para usar o termo certo - são barbaramente infantilizadas por um Estado corruptor com intenções malévolas que reproduz estratagemas parecidos, se não por seus atos de crueldade, ao menos pela falta de uma política democrática que ofereça a opção de escolha, aos do nazismo. Todavia, o contrário jamais é considerado como hipótese plausível. 

Quando falo o contrário, estou imaginando as massas barbaramente infantilizadas por uma casta de intelectuais cujos atos, de tão nobres em intenção, acabam por subestimar ou mesmo suprimir a capacidade de escolha das pessoas, no que também se aproximam perigosamente do nazismo.

O que nos faz lembrar de Laranja mecânica, que conta a historinha de um jovem delinquente às voltas com o autoritarismo do Estado e da sociedade.

Nos dois casos, a pretexto de melhorar o jovem Alex, os vetores disciplinadores (Estado, representado pela força policial; e sociedade, que aparece na figura de um escritor e pensador) cumprem função semelhante: torturá-lo e infantilizá-lo.

Nos dois casos, Alex não tem escolhas. Há sempre alguém ou algo que sabe o que é melhor para ele.

Pensem nisso. 

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