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Nota explicativa

 

Convém situar temporal e emocionalmente as últimas postagens, parte das quais motivada – eu diria estimuladas, catapultadas ou mesmo arremessadas – por um fator algo casual, algo esotérico, a saber: uma música do Tame Impala em ritmo de suingueira na qual estive preso por cerca de 15 minutos, que depois viraram meia hora, talvez 45min, de maneira que o entrechoque de camadas sonoras e culturais, entre som e imagem, entre suporte e mensagem, entre emissão e recepção – considerando tudo isso, me vi na posição de recorrer à escrita para expressar o que essa peça havia causado, tentando dar forma ao estupor e ao ímpeto de transformar esse mesmo hibridismo em manufatura literária, mas é óbvio que sequer me atrevi a cometer tal empreitada, de resto condenada desde sempre ao fracasso.

Mas, de tudo isso, fica, é certo, o prazer da fruição, a surpresa, o reconhecimento ao labor artístico de quem, se achando sem ter o que fazer em algum momento do seu dia ou da noite, jogou uma base de suingueira num trecho da canção, resultando numa outra coisa cuja definição, embora se passem anos e eras inteiros, ninguém conseguirá obter.

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