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Ocupar

A praia está ocupada. A escola também. Mas ocupar é ainda outra coisa além de estar no lugar onde antes não havia nada ou havia essa coisa que a gente pretende deslocar para colocar no seu lugar um novo.

Ocupar é mais longe, é ir diferente. Pressupõe relação, principalmente, e relação é um negócio complicado de mudar.  

Posso ocupar com a mesma lógica. O ocupante muda, mas o princípio é o mesmo. Posso estar no local antes vazio e preenchê-lo com algo que, na prática, é mais do mesmo. Substituo o vazio pelo vício.

Aí, nesse caso, ocupar é repetição. Posso argumentar que é revolução, mas será apenas golpe de retórica.

As relações são a parte mais difícil de ocupar qualquer coisa. 

Inventar outra ocupação é ocupar-se do que importa. Às vezes, estar no lugar basta para que outra relação surja. Às vezes, não.

A praia é um exemplo. Posso ocupá-la com o velho ou o novo.

O novo é quase sempre difícil porque precisa de tempo e atenção. Para o velho, bastam as rotas de sempre e as respostas habituais.

Ocupar é desafio também de desocupar-se do que não tem serventia e concentrar-se nesse algo ainda novo. 

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