Pular para o conteúdo principal

O fim do mundo

Eu vi o fim do mundo. Foi ontem de noite, sonhando, acho que durou uma hora, talvez um pouco mais, talvez um pouco menos. O apocalipse, mas sem os zumbis. Sete bolas de fogo caindo. Um mundo aberto, como nos jogos de videogame. Vento. A tirania do vento forte. 

Montanhas ao longe, nenhuma casa. Uma paisagem falsamente rural. Nada de rural existe ali.

O céu se abre, e eu penso: vai fazer sol. Estava nublado, mas agora vai fazer sol. As esferas despencam. Sete, ao todo, enterradas em lugares diferentes. 

Eu caminho em direção a uma delas, toco a esfera, que se mantém intacta nas minhas mãos. Brilha, mas não queima.

Tenho dúvidas se é mesmo o apocalipse cristão ou o fim do mundo laico, se tem algo a ver com deus ou com um desastre ambiental, uma fúria divina ou uma barragem que se rompe e do alto vem a lama como bólidos cruzando tudo.

Mais uma: estou vivendo tudo isso ou jogando tudo isso?

Repito: vivendo ou jogando? De longe, alguém olha e sorri pra mim. É como se dissesse: as duas coisas. Acredite, as duas coisas. Sigo.

O sonho termina sem que saiba se se trata disso ou daquilo. Tenho apenas a certeza de que vivo finalmente o fim do mundo, que, para surpresa ou decepção, é parecido com o fim que todo mundo imaginou um dia. 

Então apanho outra esfera nas mãos. Não queima. Acende como uma tela de celular no meio da sala escura do cinema. Quase cega.

Acredite, não é o fim do mundo, diz uma voz lá de dentro.  

Postagens mais visitadas deste blog

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...