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Mensagem

Cada um com sua esquisitice. 

A minha tem sido escrever no corpo da mensagem, como se enviasse um e-mail pra alguém, mas acabasse mandando pra mim mesmo. Leio como se escrito por outra pessoa e me assombro descobrindo esses medos familiares, que se alheiam no momento do envio e se aproximam quando, segundos depois, batem à porta. 


Escrito, fora, lido, dentro. O alheio é assim, depois que sai, depois que vai. Mas, ido, sido, torna a ser o de dentro. Será que expliquei direitinho? Tem certas coisas evidentes pra gente que, vistas de longe, são nebulosas. Talvez essa seja uma delas. 

Me explico. Abro uma aba do navegador, entro no Gmail e começo. Três parágrafos depois, apago da memória e envio. Fico esperando. De repente, a mensagem aparece, destacada das demais por um negrito. Posso ler agora ou deixar para depois. Posso deletar ou marcar com uma estrelinha. Depende do humor. 

O bom disso tudo é que a mensagem é instantânea. Elimina a espera.  

Mas a espera é parte importante do processo, seja ele qual for, alguém pode objetar. 

E está certo, a espera é parte, não há como fugir. Quer dizer, não havia. 

Até esse dia estranho em que, tendo enviado uma mensagem para si mesmo, não a recebeu. 

Como uma carta vinda de si para si que se extraviasse no caminho. 

Pior, cartas dependem de carteiros, cachorros e condições do tempo. 

Mensagens eletrônicas, nunca, apenas da velocidade de conexão e de uma ou outra circunstância nesse éter digital que escapa ao entendimento. O resto são zeros e uns atuando conjuntamente para resultar numa boa ou má notícia. 

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