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O resgate



Escolho a pior opção. Decido comentar uma notícia. O filme do Lars von Trier passou numa sala para crianças. Foi só um trechinho, mas imagina a vovó cobrindo os olhos da menina curiosa. Vó, que barulho é esse? Vó, que lugar é aquele? Vó, aquilo não cabe, cabe? A vó nem ruboriza mais. Tyler Durden existe e mora na Flórida. O Youtube excluiu o trailer do filme. Seres mágicos, as crianças puderam assisti-lo em primeira mão.

Como um bandido que salta da moita, dezembro nos ataca.

Com o passar do tempo, um grande contingente de pessoas vai progressivamente perdendo a capacidade de ruborizar. Dizem que quem ruboriza fácil é mais verdadeiro. Sei de uma porção de exímios mentirosos que seriam capazes de simular vermelhidão nas faces.

O Luan Santana gravou "Então é Natal", e agora a Simone parece a melhor cantora do mundo. 

Assisto uma nova série de zumbis e fico encantado com a beleza de uma adolescente francesa que volta do mundo dos mortos sem perder o viço. 

Dou uma volta no FB e no Twitter. Sinto cheiro de morte, mas é apenas a felicidade saindo do banheiro. 

Todas as candidatas a deputado no Chile são bonitas. Estimular bebês é um equívoco. Índios enfrentam seguranças. 

O que é Lulu?, pergunto no trabalho. As garotas conversando abertamente sobre homens, uma amiga responde. Mas já não fazem isso? Agora atribuindo nota, admite.

Leio outra notícia. Um nigeriano sobreviveu por três dias no fundo do Atlântico após o naufrágio de um rebocador. Foi salvo por uma bolha de ar que se formou dentro do navio emborcado. Postado na internet, o vídeo do resgate logo se transformou em viral.

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