Pular para o conteúdo principal

Ao comando da mão

Não sei se é falta de tempo ou de disposição ou de ambos. Vai ser cada vez mais difícil escrever aqui. Assim, sem justificativa, sem uma razão muito clara. Uma dessas coisas que nos empurram inevitavelmente para algo, não importa se pra frente ou pra trás. Sem motivo, o único lugar aonde iria é o supermercado.

Escrever a pretexto de nada, sem querer, sem vontade, não está ao meu alcance. Escrever para conjurar vazios, para criar fomes, isso não tem mais espaço. Escrever pra revolver, isso é aborrecido. Escrever pra inventar, invadir-se, cada invento deixando a nu, cada nudez mais vergonhosa que a outra. No momento quero roupas, cobrir a superfície, desfilar a pele debaixo do tecido.

Continuo sem saber o mais importante, que novidade. O mais importante, quem consegue descobrir? É tarefa para venturosos. O mais importante esconde uma mentira. O mais importante esmaga o menos importante. E o menos importante importa agora mais que o mais. O mais importante agora é descer e subir escadas.

Se sentir saudade, volto. No restante do tempo, prefiro ficar calado. Ou escrever pra dentro. É possível dizer ao inverso, ao contrário? É possível impronunciar? Desmembrar as sílabas, pô-las sem braços nem pernas, apanhar o sentido e virá-lo de ponta-cabeça? Dizer é ativar regiões do corpo. É possível dizer sem o corpo? Dizer apenas racionalmente, idealmente.

Vou anotar em papeizinhos, como fazia antes. E guardar esses papeizinhos em gavetas, como antes. Contar histórias exige mais que a habilidade de narrar. Exige respiração. A respiração não são as vírgulas. A professora do primário estava errada. A respiração é o ritmo, o ritmo é a respiração. Respirar compassado, resfolegar, acalmar, tudo são movimentos do peito.

Quero minha respiração ao comando da mão. 

Postagens mais visitadas deste blog

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...