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Querer, não querer

Tudo muda rapidamente. O que estava ali já não está mais. Está aqui - mas agora é diferente. Porque houve deslocamento. No deslocamento, alteração, mudança, transmutação.

Isso é básico. O que está havendo é mudança, deslocamento, alteração. Não sei de que natureza, espécie. Sei que é significativa. O que havia antes não há mais. E o que não havia, há – mas diferente. Ainda bem.

Pode ser simplesmente a idade. Estou envelhecendo. Nem tudo tem tanta graça quando se olha pra trás. Nem tudo. A infância é um ponto luminoso. A adolescência, um borrão. A idade adulta, um hiato, salto sem volta, sem rede, sem resgate.

Alguém me tira daqui? – não posso gritar. Como se diz: a gente vai indo. Segue. E para quando der vontade.

Mas, curioso: às vezes deixa-se de ser algo quase que por mágica. Não se sabe a razão, mas a mudança, imperceptível, foi operada e, agora, converteu... Converteu um dado branco em vermelho, um telhado azul em muro cinza.

Estou fazendo rodeio. Não sei atacar o assunto. Preciso dar voltas, voltas, achar eu mudei de tema, ignorei a força primeira. A verdade: não sei falar direto. Atravesso ruas enviesadas tentando percorrer o trajeto mais rápido entre dois pontos. Como dizem: um erro de origem. Porque a menor distância entre dois pontos é uma reta.

Ao menos na matemática. Na vida, a menor distância entre dois pontos pode ser um círculo. Ora, ora, sim, um círculo.

Não sei, não sei. Preciso trocar as pilhas do controle remoto, dobrar a rede, lavar camisas, regar uma planta, enxugar a louça, fazer café. No fundo, nada disso tem a ver com tristeza, mas com mudança. É chato transformar-se. Ser outra coisa que não você. Você negativo. Porque mesmo os defeitos.


A gente quer bem aos defeitos. São como o filho torto.

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