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Ele não sabia que ela não sabia - ou que fingia não saber

Não estou ali. Não me vejo nele. Estou falando do texto.

É porque não está. Não há A. nele.

Não?

É complicado, mas vou tentar explicar.

Sou toda ouvidos.

Não há... Mas há. É tudo que tenho a dizer.

Tudo?

Tudo mesmo.

Vou embora.

Ainda não.

Agora.

Já?

Sim. Quero espaço. Preencher. Ocupar todos os vazios, os nichos, os segmentos, as vertentes. Como no problema de matemática ser a área hachurada. E a não hachurada também. Integrar todas as variáveis possíveis.

Ser tudo?

Tudo. E sempre. Impossível?

Quem sabe. Mire, veja: A., você tem tudo isso, mas custa a perceber. Esbarra nos pontos. Nas insignificâncias. Nas pequenas depressões do terreno.

Talvez.

Continuando... Não vê que além das pequenas, há as grandes, as maiores, e é exatamente nessas que você se esconde, é nessas que você se revela. Como uma entidade mística do deserto. Como um lagarto que sobrevive do que quer que seja. Ou uma águia. Um fosso. Um poço.

Tanta coisa diferente, sem nexo, sem propósito. Tanta coisa descabida.

Tudo tem propósito, tudo cabe.

Mas não ali, no texto.

Você está ali. Aqui. Está. Você é. E ponto final. Apenas não vê. Não vê, mas é.

Sou?

Sempre.

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