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Cores incores

O avião sumiu. Muitas pessoas assistem ansiosas ao jornal esperando novas informações sobre o paradeiro da aeronave. Aonde foram? Quanto tempo pretendem demorar-se? Voltam? Se não, estarão agasalhados? Terão comida, remédios, água suficientes? Morreram todos, alguns vivem, quantos sofrem?

Ninguém sabe. Nem mesmo eu, que não tenho sequer a menor suspeita. Quem está por trás do acidente também é algo que não posso responder. Por enquanto, vejo atônito a sugestão de tragédia elaborada atrás das setas ligando o continente europeu ao Brasil. Uma longa seta vermelha com um ponto-chave situado a alguns centímetros do arquipélago de Fernando de Noronha. Nada mais que isso, nada mais que isso.

Eles se perderam ou nós nos perdemos? A estátua vê ou é vista? As duas coisas? Não sei mesmo. Há trinta dias tenho sonhos estranhos. Sonhos tristes, alegres. Claros, escuros. Distantes, próximos. Sonhos polares. Ora solares, ora noturnos. Sonhos mudos, escuros, repletos de um silêncio surdo. Há sonhos para todos os gostos e tamanhos. Há sonhos para todos os tamanhos de desgostos.



São as polaróides ambíguas. Aqui, o cliente também decide.

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