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O Destino apontou e disse: "Como você se chama?"

NÃO SOU FATALISTA. Não acredito que coisas ruins aconteçam apenas com pessoas cujas linhas da mão comportam destinos ruins. Nas linhas, destinos ruins. Não podem correr ou se esconder. É pior. Uma viga cairá nas suas cabeças, um filtro, uma geladeira. Um jarro contendo margaridas espatifar-se-á contra o dorso dessa pessoa, e ela morrerá sem saber o que a atingiu, quem ou quando. Muito menos por quê.

Não acredito em nada disso. Mas acredito, sim, que, em alguns casos, em situações absolutamente especiais, em condições inacreditavelmente específicas, irreproduzíveis em laboratório ou mesmo inenarráveis — em momentos assim, certo tipo bastante incomum de ondas cerebrais costuma atrair eventos ou fenômenos estranhos. Disso decorre que coisas estranhas passem a inesperadamente acontecer a certo tipo de gente igualmente estranha. De forma que, antes que perca a linha do raciocínio, é totalmente previsível que pequenos mas poderosos incidentes acabem marcando a trajetória dessa nada especial raça. Os membros da confraria de abençoados saem e logo um mundo inteiro de pequenas extravagâncias se desprende do fundo de algum lago apodrecido por anos e anos de cobertura verde e se interpõe entre eles e a felicidade plena, se projeta e escurece qualquer horizonte de possibilidades amenas. A isso chama-se Terror Absoluto.

Bom, estou começando a desconfiar que integro essa vasta família de desgarrados da sorte.

Amanhã talvez diga exatamente por quê desconfio disso.

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