Hoje em dia tudo é patologizado ou astrologizado, ou seja, nada escapa a um ou outro filtro, mas o que quer dizer exatamente isso?
Que a patologização é o procedimento por meio do qual a conduta social é reduzida à doença ou explicada integralmente por ela, de modo que o arbítrio do indivíduo se dilua ao ponto de restar somente esse vetor orgânico ou biológico que incide sobre as decisões pessoais.
Não é que fulano ou beltrana sejam assim, mas a doença os faz assim. Há um enquadramento patológico diante do qual é preciso compreender o que fizeram. A doença os explica, os justifica e, sob certo ângulo, os redime.
Cada vez mais o rol de patologias se imiscui nessas relações cotidianas, ampliando-se progressivamente e abarcando um sem número de situações, das quais mantenho prudentemente certa distância, evitando nomeá-las explicitamente para não parecer que aponto o dedo para ninguém, o que inclui a mim mesmo.
Não por acaso, a astrologização talvez tenha de ser encarada (é uma questão que me coloco como insight e apenas isso) como o outro lado da moeda do mesmo fenômeno de desresponsabilização, mas agora numa chave mais lúdica e popular.
“Astrologizar” os comportamentos, digamos, significa delegar sua compreensão para um âmbito não social, transcendental, no qual as explicações para a maneira como as pessoas fazem o que fazem e dizem o que dizem estão inerentemente ligadas a fatores extra-racionais, com todas as ressalvas que existem sobre o termo racionalidade.
Astrologizar é situar condutas num âmbito cujas leis não estão regidas pelo conjunto de elementos dos quais a vida em comum (em sociedade) se constitui.
Assim, “patologizado” ou “astrologizado” – às vezes ambas as coisas –, o sujeito se desincumbe de amarras ou de certas obrigações, o que o livra indiretamente de se tornar alvo do veredito social, que se abate sobre qualquer um.
Se tudo é patologia ou astrologia, se as vontades e ações se organizam segundo princípios orgânicos/físicos ou miraculosos, qual é a cota de responsabilidade que cabe a cada um?
Obviamente que essa pergunta tem sua porção retórica, visto que nem a patologização como fenômeno social – sobretudo nas redes – nem a astrologização se apresentam como totalidades, o que quer dizer que mesmo quem faz uso indiscriminado dessas modalidades de entendimento da realidade sabe no fundo que o que está fazendo é jogar a sujeira para debaixo do tapete.
Comentários