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Cidade ruína

 

Passeio pela cidade um tanto aflito. Me espanta que esteja assim, um parque de ruínas. Esqueletos de praças, bancos alquebrados, por toda parte os sinais de uma deterioração avançada, como que progressivamente causada por essa falta de zelo com que vão levando tudo.

Não digo que já não amargasse um certo desmazelo, uma escassez de cuidado que se reproduz com o tempo e se lê como coisa já nossa, como naturalmente feia. Mas agora, não sei. Há nesse horizonte meio corroído, meio apocalíptico uma novidade.

Penso também que a pandemia talvez tenha ajudado a tornar tudo mais decaído, a atenção concentrada no que era vital, salvar as vidas de quem estivesse doente e depois recobrar certo ânimo econômico, de maneira a atenuar a penúria.

Mas lembro ainda que isso vem de antes e continua agora. Um abandono dos lugares, esse não se importar com que as coisas estejam asseadas e bem guardadas para uso das pessoas. Certo ar de objeto perdido, sem dono, feição de terreno baldio mesmo onde havia alguma boniteza.

Todo mundo há de conhecer um logradouro em tais e tais condições de negligência, de falta de reparos, carecendo de mão de pintura e de uma capinada, uma varrida e uma espiada de segurança, uma troca de lâmpada e uma caiada no muro.

Se me permitem, vejam aí o Parque Rio Branco, fincado no meu querido Joaquim Távora. Bosque imenso, frondoso, árvores de copa alta, campo e bancos de anfiteatro, mas tudo sob risco de cair. Todo o mobiliário já devorado, quebradiço, a começar pelas grades de fora, levadas embora por sabe-se deus quem e nunca mais devolvidas.

O Rio Branco é uma alegria de verde e passarinhada, mas hoje é uma tristeza vê-lo assim.

Também a lagoa de Messejana não deixa mentir. Paisagem de encantar, pôr do sol de fazer inveja a qualquer um. De muitos tempos pra cá, porém, está tomada pelo abandono. Gradis rebentados, pedras do piso levantadas, luminárias depredadas, famílias vivendo sob as passarelas. Um sofrimento de dar dó.

E nem me alongo nas queixas para chegar ao centro da cidade, à Praça do Ferreira, já assim desde há muito, um cartão-postal de envergonhar qualquer gestor.

Fico pela periferia mesmo, nos bairros aonde a benfeitoria custa a chegar, e quando chega, porque se situa fora do quadrante dos privilégios. O Conjunto Ceará da família, a Lagoa Redonda, a Parangaba, a Barra do Ceará, enfim.

Convém reparar nisso e não se dar por normal que as coisas estejam tão assim fora do esquadro, entregues à falta de gentileza e de gosto por manter o bem comum agradável e em bom estado para toda a gente daqui e aos de fora.

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