Pular para o conteúdo principal

Corrida*


Lembro que, dez anos atrás (era 2005), lendo um romance do Marcelo Mirisola, topei com uma expressão curiosa. Era o estalido.

Calhou de virar o primeiro nome deste blog, criado naquele ano. Depois viriam “urânio" qualquer coisa e, mais recentemente, uma série de expressões banais, mais ou menos enigmáticas, das quais não consigo recordar nenhuma, o que diz muito sobre os nomes, a natureza das escolhas que fiz nesse tempo - e sobre mim. 

Até chegar ao “corrida espacial”, atravessei uma pororoca semântica. Hoje está aqui, como uma placa de rua ou anúncio de suíte de motel. O meu endereço no espaço-tempo. Toda semana encontro um pretexto. Como os garotos que se perdem na volta pra casa, pretextar é uma estratégia de reinvenção do cotidiano.

Escrever é o garimpo das desculpas. Uma perigosa arqueologia de tralhas sentimentais que vão caindo da mochila ao longo do tempo. Até que nos lembramos de apanhá-las.

A vida é pouca? A vida é muita. Não carece apetrechá-la mais ainda. Dez anos atrás, eu havia acabado de largar uma graduação pertinho do fim para começar outra do zero.

Dez anos é tempo suficiente.

Todo dia penso nas razões que nos levam numa direção e não em outra. Daí a presença das correntes e os cálculos atmosféricos entre as imagens mais frequentes em tudo que escrevo. A relação é de uma obviedade vergonhosa: adivinhar o tempo, tentar prevê-lo recorrendo a equações cuja precisão beiram o esotérico, é mais ou menos como tentar adivinhar o que acontecerá numa quinta-feira de maio dez anos à frente.

Uma década. É tempo pouco. A vida é pequena. É preciso enfeitá-la. Como uma corrida que atravessa o espaço, contornando Plutão, e perdendo-se na zona inabitável.

Texto publicado em 21 de julho de 2015 e republicado agora porque precisei deletá-lo por motivo de força maior (uma pane técnica no blog)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...