Pular para o conteúdo principal

Salvar o bonsai

Era um sábado, talvez sexta. Não lembro. Passeei desinteressado entre vasos de plantas, apontando aqui e ali para uma que chamasse a atenção. Uma rosa, um lírio, uma orquídea.  

Saí do quiosque na Praça das Flores com um bonsai na mão. Sempre quis um, talvez pela repercussão tardia e nunca totalmente afastada da lembrança de Karatê Kid, mas também pela leitura de Bonsai, de Alejandro Zambra.

Em casa deixei o vaso em cima de um móvel destinado originalmente a uma radiola e aos discos que ainda não temos. Houve protesto. Insisti.

Vistosa e de um verde brilhoso, a copa miniaturizada curva-se à esquerda, como um topete que se derramasse à força do vento. Um caule único e tortuoso.

Hoje sei que o trouxe comigo porque me pareceu uma proeza que uma planta se dobrasse tanto sem quebrar, mantendo-se em equilíbrio. 

De uns tempos pra cá, no entanto, o bonsai deu pra murchar e ganhar uma tonalidade cinza. Pensei na fuligem, mudei de lugar. Continuou.

Depois atribuí a um efeito da primavera - as folhas caíam. Mas aqui temos apenas duas estações.

Finalmente cheguei à conclusão de que eram fungos. A árvore estava doente.

Agora tento salvá-lo regando mais vezes ao dia e conversando bobagens. Pergunto se está quente, se deve chover, se tem alguma dica para um texto que estou preparando e cujo início e fim não se conectam, de maneira que preciso encontrar um meio.

Calado, o bonsai move-se pouco. Fala menos ainda. É uma planta entre o sisudo e o ensimesmado, e nunca sei se apenas não está para conversa ou se tenta me dizer algo numa língua própria. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...