Às vezes desaprendemos. A andar,
a escrever, a ter qualquer
atitude que não seja um modo de estar num jogo de perguntas e respostas cujas
etapas tentamos antecipar.
Alertas.
Um meio de adivinhar e responder conforme as expectativas do interlocutor. Isso não é uma
conversa, é um monólogo. Um serviço de atendimento ao consumidor. Um check-in afetivo.
Então é preciso voltar muitas
casas e andar pra trás, desfazer malfeitos, contornar acidentes, pular numa perna só até
finalmente encontrar essa trilha e na trilha um caminho qualquer. E no caminho
talvez haja essa porta.
Acho que desaprendi a abrir
portas. De início parece algo simples: girar a maçaneta, empurrar, depois
fechar novamente, olhar mais uma vez a saber se está de fato vedada à passagem. E seguir.
Tenho um projeto
indefinidamente adiado. Digo isso pra me distrair. É um modo de conforto. O livro que repousa guardado é um livro seguro porque ninguém o lê. E se ninguém o lê posso imaginá-lo da maneira que eu quiser.
Lembro dele de quando
em quando, às vezes no banho enquanto lavo o cabelo ou se é fim de tarde e
desço pra fumar. Faço menção, mas logo escondo. É uma vergonha sem importância.
Agora sinto mesmo que
desaprendo. Antes era como se desse pela falta e não como se algo acontecesse
de repente: um instante, e já não sei acender a luz da sala ou a descalçar os sapatos. Tropeço nos cadarços, enrosco na cortina. Extravio entre sala e quarto.
As roupas, por exemplo. Desaprendi a vesti-las. Olho, e elas não me servem.
Eu mesmo não me sirvo de muita coisa. Ando de bicicleta, mergulho, mas nada
além disso, um corpo indo de lá pra cá sem muita fé.
Antes de ontem eu tinha fé.
Hoje tenho pouca. Amanhã talvez tudo volte a mudar e depois de amanhã novamente, como um projeto sempre adiado ao qual recorremos feito um amuleto quando a vida sai dos trilhos.
O amor é também projeto inacabado, jamais pronto, de difícil execução, incerto e penoso.
Desaprendi principalmente a dizer. Digo, e o que falo é escorregadio. Vem de um lugar que não sei qual é. Releio e torno a reler. Não é
como se ainda fosse, tampouco como se pudesse ser. É, e essa
existência reside num lugar que é o entreposto.
Um entre-lugar ao qual não sei
chegar. Não tenho chaves, não tenho vestes, não tenho pernas. Nele a conduta é outra, os convidados estranhos a mim. E a língua na qual conversam animadamente é diversa.
Sou uma coisa entre eles. Sequer tenho mapa. E a hora marcada não está nos relógios.
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