Pular para o conteúdo principal

E se?

Escrevi na última quinta-feira, 13, a propósito das manifestações marcadas para 16 de agosto:

“Sobre domingo: talvez nem tão grande quanto a manifestação de março nem tão pequena quanto a de abril. Apenas o suficiente pra manter o governo alerta. Mas, e se bombar? Muda alguma coisa? Mais pressão no Congresso, sobretudo na Câmara, que teria de esperar parecer do TCU pra tentar a única cartada em mãos: impedimento”.

Esqueci de acrescentar: mais pressão também sobre a oposição, que, segundo declarações dadas ainda sob efeito dos protestos por uma de suas figuras mais proeminentes, é hora de unificar discursos, deixar diferenças de lado e abraçar a tese do impeachment.

Se antes a bandeira do afastamento dividia os tucanos, fracionados entre o apoio a Aécio, Alckmin e Serra, hoje o discurso tende a se tornar mais homogêneo. A senha para a pacificação foi a dura crítica de FHC feita ontem. Para o grão-tucano, o gesto mais nobre da presidente hoje seria renunciar ao mandato.

O PSDB prepara atos para o mês que vem, talvez antes disso. A ideia é fazê-los coincidir com o 7 de setembro, quando se espera alguma movimentação contra Dilma e o PT. É natural que a data se torne novo calendário de encontros para protestar. Natural porque se trata de movimento com forte apelo aos signos patrióticos, que canta hino nacional até dez vezes na mesma manifestação, veste-se de verde e amarelo e festeja as forças de segurança do país (exército, PF e outras). E, claro, tem um herói: Moro, o juiz.

Com a ida da oposição às ruas, a costura de acordos no Senado e a recente, mas ainda incerta, calmaria obtida com o adiamento de julgamentos das contas do governo (TCU) e da chapa eleitoral (TSE), o cenário aponta para o seguinte: de um lado, a oposição mais articulada com movimentos sociais que pedem a saída de Dilma, o que, como se viu no domingo, se não garante mais gente nas ruas, tende a manter a alta temperatura da insatisfação. 

Do outro, o governo tenta refazer pontes no Congresso, debelar o incêndio na Câmara e recuperar algum crédito com o eleitorado. Das três tarefas, a mais difícil, talvez impossível no espaço de um mandato de Dilma, seja voltar a nível de popularidade próximo do de abril de 2013, quando Dilma ostentava percentual de mais de 70% de ótimo e bom.

No cômputo geral, mesmo com o refresco da semana passada, Dilma continua por um fio. Se ainda não há razões concretas para implicá-la na Lava Jato, sobram motivos para responsabilizá-la pela crise que o país atravessa e da qual não se sabe quando sairá. 

Parece pouco? Não se se somarem a baixa popularidade, a onipresença dos manifestantes nas ruas, com maior ou menor adesão, e o ritmo de blitzkrieg da operação policial que vai, um a um, derrubando personagens importantes do governo e do PT.

A semana que começa é importante. Nela, votam-se medidas para o ajuste fiscal e outras, classificadas como pauta-bomba. É um teste para a agenda Brasil, proposta por Renan Calheiros. Espera-se ainda, tão logo Janot seja reconduzido, a denúncia de Cunha pela PGR.

Dois fatores imponderáveis permanecem: a Lava Jato e, agora, o debate jurídico sobre a validade de depoimentos que sustentam a pirâmide investigativa. Sem a delação de Alberto Youssef, por exemplo, o que restaria?

Postagens mais visitadas deste blog

Museu da selfie

Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por

Conversar com fantasmas

  O álbum da família é não apenas fracassado, mas insincero e repleto de segredos. Sua falha é escondê-los mal, à vista de quem quer que se dê ao trabalho de passar os olhos por suas páginas. Nelas não há transparência nem ajustamento, mas opacidade e dissimetria, desajuste e desconcerto. Como passaporte, é um documento que não leva a qualquer lugar, servindo unicamente como esse bilhete por meio do qual tento convocar fantasmas. É, digamos, um álbum de orações para mortos – no qual os mortos e peças faltantes nos olham mais do que nós os olhamos. A quem tento chamar a falar por meio de brechas entre imagens de uma vida passada? Trata-se de um conjunto de pouco mais de 30 fotografias, algumas francamente deterioradas, descubro ao folheá-lo depois de muito tempo. Não há ordem aparente além da cronológica, impondo-se a linearidade mais vulgar, com algumas exceções – fotos que deveriam estar em uma página aparecem duas páginas depois e vice-versa, como se já não nos déssemos ao trabalho d

Cansaço novo

Há entre nós um cansaço novo, presente na paisagem mental e cultural remodelada e na aparente renovação de estruturas de mando. Tal como o fenômeno da violência, sempre refém desse atavismo e que toma de empréstimo a alcunha de antigamente, esse cansaço se dá pela falsa noção da coisa estudadamente ilustrada, remoçada, mas cuja natureza é a mesma de sempre. Não sei se sou claro ou se dou voltas em torno do assunto, adotando como de praxe esse vezo que obscurece mais que elucida. Mas é que tenho certo desapreço a essas coisas ditas de maneira muito grosseira, objetivas, que acabam por ferir as suscetibilidades. E elas são tantas e tão expostas, redes delicadas de gostos e desgostos que se enraízam feito juazeiro, enlaçando protegidos e protetores num quintal tão miúdo quanto o nosso, esse Siará Grande onde Iracema se banhava em Ipu de manhã e se refestelava na limpidez da lagoa de Messejana à tarde. Num salto o território da província percorrido, a pequenez de suas dimensões varridas