Pular para o conteúdo principal

Peixe pequeno



Permissão para tergiversar. Permissão concedida.

A ocasião convida à reflexão demorada. Efeméride tardia marca sete anos do blog. Era julho de 2005 quando resolvi que seria saudável administrar um espaço privado na internet. Um cantinho onde me sentisse à vontade para flanar de cueca e sapatear na própria lama das ideias miraculosas.

Tinha 24 anos.

Assim nasceu o auspicioso “P&D”, blog de pouca chacota e muita lamúria.

Influência direta da leitura d’O blog de Bagdá. Foi no P&D que dei início ao meu projeto Sanear II. Lá enterrei as primeiras fornadas de resíduos sólidos produzidas em escala industrial. Aqui estamos, sete anos depois.

A expressão – P&D – foi cuidadosamente pinçada de um romance do Marcelo Mirisola. Para quem não lembra, o Mirisola era o escritor mais “polêmico” da época, título a que se juntava o de mais chato.

Atualizava o blog clandestinamente, no trabalho, e algumas vezes em casa, nas horas de folga, e tanto num caso como no outro as postagens resumiam-se quase sempre a ninharias de sentimento deitadas em português “safado”.

Integravam a lista de temas mais abordados no blog: leitura, cinema, vida pessoal, peripécias do gato, temas inclassificáveis, chiadeiras existenciais.

O tempo passava, mas o perfil "desavisado" dos leitores do P&D mantinha-se inalterado.

Havia largado a faculdade de Letras-Alemão e a de Filosofia para seguir a intuição, que, mesmo antes de 2002, estendia a mão pesarosa e, num gesto quase obsceno, indicava o caminho do jornalismo.

Foi também apelando à intuição que redigi a primeira notícia da minha vida, um informe sobre assembleia popular realizada pela Prefeitura de Fortaleza. À época, minha jovem chefe ficou de queixo caído assim que me viu em ação, escrevendo com fúria. Um prodígio? Longe disso. Apenas classificou como totalmente descabida a ideia de rascunhar a notícia no papel antes de escrevê-la no computador.

Disse mais: jornalismo era rapidez, dinâmica etc. Tudo novidade. As aulas do primeiro semestre começariam dali a uma semana.

“Um aluno do primeiro semestre?”, perguntou, e o susto não teria sido maior se, em vez de mim, um filhote de tamanduá africano tivesse pleiteado e obtido a vaga de estagiário.

“Sim, do primeiro”, respondi. Educada, ordenou que sentasse e “digitasse o texto, por favor”. Foi o que fiz.

Recordo esse capítulo pessoal e disparo uma risada que demora a se desmanchar. É inevitável quando repasso uma etapa da vida e, sem grande esforço, concluo: uma sucessão de casualidades me conduziu até aqui. 

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...