Pular para o conteúdo principal

Desabafo


O MUNDO PÓS-ROSA DA FONSÊCA

QUANDO O MUNDO DA POLÍTICA ENCONTRA O MUNDO DA POLENTA, O DO PRIVADO E O DA PRIVADA. ENTENDA COMO O CAOS FENOMENOLÓGICO EM 2012 PODE AFETAR A SUA VIDA

O cenário é de viscoso desalento. Crise do dólar, do futebol brasileiro, queda no nível do emprego e na renda da região metropolitana. Motins em Londres e Santiago, “primavera agreste” no Ceará, revoluções no mundo árabe, fratura exposta na guerra do Judiciário, curva ascendente da ejaculação precoce, prazer anal nos TTs.

Iracema verde. Sem contar a reiterativa onipresença do milho verde na gastronomia local.

E continua: depredação do patrimônio público (estátuas sem lança, sem óculos, sem bagos etc.), prevaricação, superpopulação indie, aumento do consumo de paçoquita, greve de PMs, apreensão recorde de AAS infantil, registro frequente de franco-atiradores nas redes sociais, escalada global de Paula Fernandes e de Michel Teló, escassez de combustíveis e de sexo, tendinite, faniquitos, xilitos, Baconzitos vencidos.

Fim da canção, do calção tactel, do chá de boldo e da camisa social passada à goma.

“É o colapso da modernização”, ciciou no Twitter o decorador de ambientes e consultor de novas mídias Arivaldo Castanhola. Soco no estômago.

Incontornável, o desabafo foi seguido por uma advertência: “Um espectro ronda o capitalismo: o espectro dos headphones coloridos”. Publicada no Facebook, a postagem é de autoria de Robert Kurz. Influentes em suas áreas de atuação, Kurz e Castanhola receiam apenas o que, naturalmente, qualquer ser humano teme.

O fim do mundo tal como o conhecemos.

Assim como sucedera ao manifesto Indignai-vos, em assentimento à teorética neoapocalíptica, cerca de 3,645 pessoas imediatamente curtiram e outras 2,522 compartilharam links para textos até certo ponto obtusos, veiculados nos blogs dos dois autores.

Nada ressabiado, um dos leitores cantarolou: “A grande mudança final virá sob a forma de um encrespado artefato de pelos pubianos” (sic).

Apenas o leitor “Tavares6154” teve a curiosidade de perguntar o óbvio: trata-se do capital enquanto estrutura organizacional (superestrutura) ou do capital enquanto ente figurativo e influxo nos imaginários coletivos (infraestrutura)?

A questão não passaria em brancas nuvens.

Deu-se o impasse, que não tardou a virar cizânia. Bob Kurz, ex-taxista alemão, torcedor do Bayer Leverkusen e ideólogo da Crítica Radical, optou por oxigenar as relações virtuais. Sem pestanejar, deixou de lado o clima niilista autoimposto e aliviou a barra da humanidade, que, a esta altura, já se preparava para saudar o ano novo.

Como de fato viria a saudar.

Nas próximas horas, Bob deslocaria toda sua ênfase argumentativa para meia dúzia de fotos de filhotes de panda. Foi sucesso.

Castanhola deletou sua conta no Twitter e se mudou para Pindoretama.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...