Pular para o conteúdo principal

Máximo de complexidade para resultado mínimo


Fui correndo buscar o Asterios Polyp, comecei a ler num café da cidade ainda na noite de sábado enquanto esperava andorinha pousar na mesa. Terminei de madrugada, quase amanhecendo. Nada poético, nada poético, faltava sono e estava assustado, havia atravessado 330 páginas do livro, renomada HQ de David Mazzucchelli, de quem nunca havia lido qualquer coisa, bom que se diga, o que, para efeito de análise, não tem importância nenhuma.

‘Sterios não é uma má pessoa, não pensem isso também, me sentia enjoado por outra razão.

Fato é que procurava um sinal de que estava diante de algo, não somente uma leitura, mas de uma experiência. Não encontrei. Vi muita coisa boa, personagens bem rabiscados, contexto, substância, mas, de posse da narrativa, do que quer que tenha motivado Mazzucchelli a escrever, fiquei relativamente decepcionado.

Não era o que tinha pensado, dito de maneira mais simples.

Curioso, ocorreu o mesmo com Jimmy Corrigan, o menino mais esperto do mundo, do Chris Ware, um gênio, um gênio, mas puxa vida, não por falta de tentativas, estou fora da seleta audiência que lhe presta tributos.

Culpa dele? Não sei. Culpa minha? Não sei. Culpa de ninguém, talvez.

As duas revistas, exemplos do que há de melhor nos quadrinhos, me puseram em desconforto com certa pretensão que ronda a produção de HQs no mundo.

A impressão que tenho é a de que esses caras não querem simplesmente contar uma boa história: querem instaurar uma nova ordem estética, reescrever a vida na Terra, sobrepor-se a qualquer outra forma de representação, voar em direção ao infinito e além.

Por mim, tudo bem. Fiquem à vontade. Só não me peçam para atravessar novamente uma vastidão razoavelmente estéril de balões e desenhos para, ao final da jornada, dar de cara com uma historinha banal contada com o máximo de complexidade.

Logo vi que “Ulisses em quadrinhos” não podia ser elogio. Desenvolvo o pensamento mais tarde, quando voltar do trabalho.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...