Pular para o conteúdo principal

A banana é vitamina que engorda e faz crescer


Queria dizer que ontem havia quatro bananas na minha mesa e que quem as roubou tem os dias contados...

 

Contados em bananas?

 

Contados, apenas.

 

De modo que...

 

De modo que, cedo ou tarde, manhã ou noite, aqui ou ali, agora ou depois, trágica ou ordinariamente, vai ter os dedos das mãos e dos pés e as pontinhas miúdas das orelhas levemente perfurados por alfinetes finíssimos.

 

Caras de espanto na sala, que está sempre abarrotada de frutas – mangas, abacates, laranjas, tangerinas – e computadores.

 

E não me olhem assim, certo? Sou uma moça educada.

 

Que come bananas...

 

Sim...

 

E toma suco de laranja em inferninhos da cidade.

 

Pode ser...

 

E pula, saracoteia o dia inteiro e, nas horas vagas, anda e fala consigo mesma ou dança sozinha em casa, na sala, a música solta, ninguém por perto, apenas ela e os cabelos voando sempre para o alto como se ela tivesse de repente encostado as pontas dos dedos na tomada e levado um choque. 
.

Sim, adoro tudo isso.

 

A gente também.

 

E ainda por cima tem sempre um cacho de bananas por perto. Ou costumava ter antes de vir trabalhar aqui e descobrir que há um bando de salteadores cujo maior prazer do mundo é, enquanto você dá as costas ou vai resolver alguma pendência administrativa realmente importante – aqui a moça joga os cabelos de lado ou faz um coque lindo – passar a mão nas frutas que você – eu, no caso – põe na mesa.

 

Pena... Porque você acaba ficando com fome, né?

 

Né.

 

E fica com cara de fome.

 

Sim, fico.

 

E sai daqui com cara de fome.

 

Sim, saio.

 

E chega em casa com cara de fome.

 

Sim, inevitavelmente.


Súbito silêncio doce na sala... 

 

Mas antes toma suco de laranja e quase canta em karaokê. As coisas boas da vida são as que parecem mais ridiculamente simples. São as que a gente morre de vontade de fazer mas não faz porque tem medo ou receio ou qualquer outro sentimento que se explique na vergonha que se tem dos outros.

 

Menina, agora tu arrasou.

 

Eu ando estudando, queridos.

 

Estudando o que, moça?

 

Tanta coisa...

 

Fala uma apenas.

 

A possibilidade ainda remota mas mesmo assim interessante ou não totalmente descartável de amar e ser amada na mesma intensidade.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...