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Do Nobel

 

Do Nobel conheço bem pouco, apenas que se chama Laslo qualquer coisa e sua obra ainda é ignorada no Brasil, ou o país é ignorado por ela, não sei.

Apenas um livro do senhor L está disponível em português, de nome também impronunciável, de modo que L e seus volumes seguem como grandes mistérios para leitores em língua nativa, exceto pelo fato de que esse único romance traduzido pode ser encontrado facilmente em qualquer livraria, mais ainda depois do prêmio, concedido semana passada após espera cheia de expectativa pelos brasileiros que viam alguma chance remota de vitória de Milton Hatoum.

A láurea foi uma espécie de banho de água fria depois de Ernaux, Han Kang e outras mulheres – a autora de Vozes de Tchernóbil, por exemplo, ou mesmo Olga Tokarczuk – ganhadoras antes de L., cujo talento parece inegável, eu diria até que é ocioso tentar demonstrá-lo, bastando citar que L é a inicial do primeiro nome de um autor cuja imagem é indevassável e tão contrária ao midiatismo que se exige hoje de qualquer artista.

Eu poderia atestar mesmo sem ter lido ainda nada escrito por ele, embora o seu tango satânico esteja ao alcance, que L é um grande autor, e chegaria a essa conclusão evidente apenas por observar atentamente suas fotos nas matérias de jornais, nelas ele se parece realmente com a ideia que faço de um grande escritor cujos romances se escrevem nesse idioma feito apenas de arestas e cacos de palavras como deve ser o húngaro.

Essa impressão sem fundamento racional se torna mais certeira quando leio que o comparam frequentemente a Guimarães Rosa, ou nós o comparamos, não estou tão certo disso, e então a medida do Grande sertão, essa obra cuja leitura adiei várias vezes porque acho de uma chatice sem tamanho, se estabelece como métrica da envergadura de L e seu capital de escritor premiado com o Nobel.

Cabelo branco, casaco puído, recolhido a uma casa na encosta de uma montanha ou no meio de uma floresta de difícil de acesso, sem internet, sem dar entrevistas, totalmente dedicado a transformar em literatura a agonia que é a vida, a fazê-la ressoar entre frases que se espiralam sem fim por páginas e mais páginas.

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