Que rastros a falta de imagens dos homens que se casaram com minhas avós produziu na narrativa fotográfica da família a partir do único álbum que restou íntegro desde o início da década de 1980, ano de meu nascimento e data inaugural da confecção dessa reunião de fotografias? O álbum empobrecido que tenho agora em mãos, mas que me recuso a abrir, reduzido ao osso após tantas perdas, falhas de arquivamento e ações múltiplas de deterioração de suas páginas.
As fotos que narram meu próprio crescimento, uma história interrompida por volta dos 18 anos, quando civilmente, para todos os efeitos, nos tornamos adultos. Todas as fases demarcadas com seus momentos-síntese: o batismo, a cerimônia de doutores do ABC, as férias escolares, o banho de mar, uma pose em frente ao monumento em homenagem ao esgotamento sanitário, uma com os irmãos na festa de aniversário, mais uma do meu aniversário de cinco anos, uma foto ao lado do pai, que tem uma bola a seus pés mesmo sem nunca ter sido muito hábil jogador.
Só então vejo que tenho poucos registros com o pai. Ele também seria um fantasma? O pai ainda muito jovem na praia, corpo bronzeado. Ou com a camisa aberta no peito. O pai é figura também escassa, suas aparições se limitam a esses momentos festivos durante os quais obrigatoriamente todos devem estar presentes, seja como protagonistas ou figurantes. Como parte dos ritos da família, cumpre seu papel. Em seguida, desaparece.
O pai empreende sua fuga, abre-se o mundo para ele e ele para o mundo. Lembro de vê-lo sumir, lembro de não o ter por perto durante esses anos todos aos quais o álbum tenta dar forma, operando como testemunho de que existimos, congelando essa passagem do tempo e oferecendo uma coleção de instantes fechados, unos de significado, como uma música de fundo que o álbum toca apenas para meus ouvidos. O pai não está lá, ela diz. O pai saiu. O pai não voltará nesta noite.
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