Visitava o apartamento pela primeira vez quando abri a janela de um dos quartos abafados e, no quintal, dois gatos trepavam sobre o tampo de uma cacimba, o mais magro sobre o mais gordo, o traço do rabo fino torto na ponta chamou minha atenção talvez mais do que o ato em si, de resto comum a quem se habituou a ver gatos pelos cantos da casa durante toda a vida, e, no entanto, aquilo, a posição dos bichos, uma acrobacia aérea, a localização desavergonhadamente central, o fato de que não houvesse ninguém e dispusessem do quintal para si, a certeza de que continuavam porque não me viam enquanto eu os olhava da janela recém-aberta, isso tudo me fez pensar que o quarto tinha uma vista privilegiada para os fundos de uma casa onde bichos costumeiramente cruzavam, que iam ao terreno porque lá era vazio e tranquilo e então se sentiam à vontade para fazer o que quisessem.
Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...
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