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Aquela "valterhugomania" de 2017

De sábado pra cá, Fortaleza viveu dias de Valterhugomania. Não via alguém fazer tanto sucesso na Cidade desde Carlos Rilmar, o príncipe do forró. Aos 45 anos, o autor português Valter Hugo Lemos, Mãe por adoção, posou pacientemente para dezenas de selfies, nas quais aparecia ora sorrindo, ora sério. 

Também visitou uma comunidade indígena, onde representou o homem português num encontro de culturas havia muito esquecido. Respondeu mensagens dos fãs nas redes sociais, que depois respondiam suas respostas, numa cadeia de interações cujo fio da meada acabei perdendo. 

E, não bastasse a agenda apertada, que incluiu uma ida ao Mercado Central (me pergunto se foi ao Leão do Sul), o escritor ainda encontrou tempo para tomar um café com integrantes de um clube de leitura que haviam feito das tripas coração para tê-lo por uma horinha. E conseguiram. Estavam tão felizes nas fotos quanto Moroni quando assumiu a Prefeitura interinamente. 

Convidado da Bienal do Livro, Mãe fez chorar metade da plateia e rir a outra metade. E logrou tudo isso com os pés num par de Havaianas compradas aqui mesmo, numa bodega da Capital. De camiseta e com uma ecobag a tiracolo no palco do Centro de Eventos, o artista, também cantor e editor, lembrava um estudante de CH que houvesse chegado até ali num Pici-Unifor. Mal se punha a falar, no entanto, as pessoas silenciavam. VHM, como os leitores gostam de chamá-lo, tem, de fato, um condão de encantamento. 

De tanto flanar por Fortaleza, passei a considerar a hipótese de que Mãe realmente se afeiçoou à terrinha. E, como consequência, tentei imaginá-lo cearense. O modo de falar, os trejeitos, o gosto por mangar. Esticando ainda mais a corda, pus-me a vê-lo nas festas ou num terminal de ônibus, atendendo solícito a cada pedido de autógrafo e escrevendo na folha de rosto dos seus livros, que teriam também outros nomes. E como ele se chamaria? Talvez Wenderson ou Wallison.

Mas nunca Valter Hugo Mãe.

Crônica publicada no jornal O POVO em abril de 2017

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