Levo horas assim, na preparação
do que virá. Tempo gasto tentando descobrir o que ainda não sei, tatibitate. Paro
e retomo. Depois ando pelo corredor, em seguida vou ao banheiro e acendo o
cigarro. Sopro pela janela a fumaça azulada, que sobe em espirais e se dissipa.
Cogito sair, mas aonde iria a esta hora? Não há lugar. É preciso inventar uma
geografia, mas isso também leva tempo. É custoso. Então planejo a viagem, Porto
ou uma cidade mais distante. Nápoles, quem sabe. Uma passagem. Dois anos fora
estudando esse tema sobre o qual
venho pensando – qual? É também uma abstração, coisa impalpável, matéria
quebradiça. Borrifo água nas plantas, que parecem sempre as mesmas. Não gosto
de plantas, prefiro os peixes. Detesto cachorros, tolero gatos. Simpatizo com
bichos esquivos. Salguei o macarrão, que agora está condenado. Caprichei no
azeite. Achei que teria dificuldade em retomar essa rotina de trabalho após 30
dias durante os quais tentei acreditar que deixar tudo pra trás levaria uma
vida inteira. Às vezes acordo de noite e abro a janela ou acendo a luz à espera
de nada. Madrugada, esquento o macarrão, que parece comestível. O tempo atenua
qualquer coisa. Comecei a escrever sem saber o que faria na linha seguinte, que
ideias teria de apresentar caso alguém perguntasse no que andava trabalhando ultimamente.
E, agora que comecei, percebo que tudo que diga ou faça assemelha-se a um nó,
entrelaçamento de cordas mediante o qual testamos a rigidez dos dedos. Ventava forte
quando reabri a porta, as cortinas infladas como a camisa descerrada de quem
cruzasse o deserto em plena tempestade.
Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...
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