É hora do almoço, e o restaurante fecha às 13h
em ponto. Funciona como uma repartição muito antiga de cuja pontualidade
dependesse o equilíbrio de energias universais, polos que se opõem e nessa
disputa mantêm-se entretecidos um ao outro. Mas é apenas um restaurante, lugar aonde vou
se preciso comer de manhã cedo ou no meio da tarde. Hoje ainda não comi. Estive
durante muito tempo engolfado numa espécie de nódoa. Um visco que tento
afastar, mas está aqui. Gruda, desliza, recobre o corpo, pernas e braços,
pescoço e tórax. Prende-se ao pau e aos pés. Não há como descamá-lo. Inútil desfazer-se
da sombra. Sorte se entrasse numa loja de cosméticos e me vendessem o produto
adequado para esfoliar da pele tudo que é matéria morta e veneno próprio. Mas nisso
estou com pouca sorte. A esta hora nada abre, tudo fecha. Como se disso
dependesse o arbítrio que governa cada pequena forma de vida.
Numa dessas andanças pelo shopping, o anúncio saltou da fachada da loja: “museu da selfie”. As palavras destacadas nessa luminescência característica das redes, os tipos simulando uma caligrafia declinada, quase pessoal e amorosa, resultado da combinação do familiar e do estranho, um híbrido de carta e mensagem eletrônica. “Museu da selfie”, repeti mentalmente enquanto considerava pagar 20 reais por um saco de pipoca do qual já havia desistido, mas cuja imagem retornava sempre em ondas de apelo olfativo e sonoro, a repetição do gesto como parte indissociável da experiência de estar numa sala de cinema. Um museu, por natureza, alimenta-se de matéria narrativa, ou seja, trata-se de espaço instaurado a fim de que se remonte o fio da história, estabelecendo-se entre suas peças algum nexo, seja ele causal ou não. É, por assim dizer, um ato de significação que se estende a tudo que ele contém. Daí que se fale de um museu da seca, um museu do amanhã, um museu do mar, um museu da língua e por
Comentários