Pular para o conteúdo principal

Linguagem morta-viva



“A poesia de uma álgebra desconhecida” é a poesia desconhecida ou a álgebra de uma poesia desconhecida? Desconhece-se o que, afinal, a poesia ou álgebra, mais uma que outra, ou ambas em porções iguais? Sabe-se nada do que vai adiante do nariz, ou apenas no caso da poesia é que o desconhecimento se mostra potencialmente relevante?

Contentar-se com o que se sabe é sinal de que atingimos o gozo, estamos satisfeitos com a relação custo/benefício ou é meramente uma acomodação de desejos tendo em vista que estar à procura da poesia de uma álgebra desconhecida no dia a dia, sem essa retórica surrealista, traduz-se mais por dor e sofrimento e menos por encanto e paixão? 

São perguntas que não se respondem numa tarde de sábado em Fortaleza, enquanto a cidade silencia e da varanda de casa consigo enxergar a tampa do estádio de futebol onde agora dois times se esbatem na luta por uma vaga na divisão de acesso.

De todo modo, não custa tentar entender as maneiras de se assustar, que é outra forma de estar à procura dessa manifestação poética enigmática jamais encontrada em estado in natura, apenas especulada.

A álgebra desconhecida, seja poética ou não, já é um problema e tanto. Pensar numa linguagem que está além da linguagem, uma que somente é intuída, nunca tocada, vista apenas em delírio ou quando, no fim da noite, após desatarmos os nós de praxe e a vida parecer menos uma sucessão de movimentos previamente agendados, os astros se dispõem no céu de tal maneira que, puxa vida, acabam surpreendendo a gente.

“Não matem a surpresa”, pede a poesia da álgebra desconhecida nessa língua que cada um entende ao seu modo, mas ninguém tem dúvida do que queira dizer.  

Postagens mais visitadas deste blog

Trocas e trocas

  Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...

Atacarejo

Gosto de como soa atacarejo, de seu poder de instaurar desde o princípio um universo semântico/sintático próprio apenas a partir da ideia fusional que é aglutinar atacado e varejo, ou seja, macro e micro, universal e local, natureza e cultura e toda essa família de dualismos que atormentam o mundo ocidental desde Platão. Nada disso resiste ao atacarejo e sua capacidade de síntese, sua captura do “zeitgeist” não apenas cearense, mas global, numa amostra viva de que pintar sua aldeia é cantar o mundo – ou seria o contrário? Já não sei, perdido que fico diante do sem número de perspectivas e da enormidade contida na ressonância da palavra, que sempre me atraiu desde que a ouvi pela primeira vez, encantado como pirilampo perto da luz, dardejado por flechas de amor – para Barthes a amorosidade é também uma gramática, com suas regras e termos, suas orações subordinadas ou coordenadas, seus termos integrantes ou acessórios e por aí vai. Mas é quase certo que Barthes não conhecesse atacarejo,...

Projeto de vida

Desejo para 2025 desengajar e desertar, ser desistência, inativo e off, estar mais fora que dentro, mais out que in, mais exo que endo. Desenturmar-se da turma e desgostar-se do gosto, refluir no contrafluxo da rede e encapsular para não ceder ao colapso, ao menos não agora, não amanhã, não tão rápido. Penso com carinho na ideia de ter mais tempo para pensar na atrofia fabular e no déficit de imaginação. No vazio de futuro que a palavra “futuro” transmite sempre que justaposta a outra, a pretexto de ensejar alguma esperança no horizonte imediato. Tempo inclusive para não ter tempo, para não possuir nem reter, não domesticar nem apropriar, para devolver e para cansar, sobretudo para cansar. Tempo para o esgotamento que é esgotar-se sem que todas as alternativas estejam postas nem os caminhos apresentados por inteiro. Tempo para recusar toda vez que ouvir “empreender” como sinônimo de estilo de vida, e estilo de vida como sinônimo de qualquer coisa que se pareça com o modo particular c...