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Use: é de graça

Tenho a impressão de que chegou a hora de abandonar o blog, deixar pra trás, esquecer. Não sei se definitivamente, mas dar um tempo e ficar olhando de longe as coisas que fui juntando desde 2005. Depois, quem sabe peneirar o que for bom e atirar longe o que não for. E em seguida não saber o que fazer com o que for bom e lamentar profundamente o que foi jogado fora.

Talvez não seja a hora de deixar pra trás. Talvez a hora certa já tenha passado. Afinal, o que é a hora certa senão esse instante em que a gente tem a vaga impressão de que ou é agora ou nunca mais? Prestem atenção: agora ou nunca mais, além de forte candidato a trecho de música do Roupa Nova, é uma embromação na qual só cai quem quer cair.  

Imaginem essas sondas lançadas ao espaço contendo uma mensagem que pode vir a ser lida no futuro por alguma civilização extraterrena. Imaginem que elas atravessam a vastidão do nada sem contato com formas de vida. Constantemente, sinto que deixar pra lá é como apostar que alguém ou algo vai encontrar uma garrafa perdida no mar. Vai ler. Vai entender. Vai dar de ombros e continuar caminhando, preocupado com os próprios problemas. E a sonda, coitada, continua viajando por tempos e tempos.

Uma das vantagens de ter um blog é que, quando a gente senta e escreve sem a obrigação de dizer algo que faça sentido, como relatar uma história com personagens ou contar uma aventura que aconteceu dois dias atrás – quando a gente se vê dispensado dessa condição, um estalo pode ser ouvido em alguma região pouco frequentada da cabeça. Esse estalo é mais do que uma conversa íntima, um tartamudear, um universo esfiapado rodopiando. Esse estalo é um aceno para algo fora do hábito.

Outra vantagem de continuar mantendo um blog quando isso já se tornou uma atividade tão sem graça quanto costurar as próprias roupas é poder voltar a ele quase da mesma maneira como, um domingo por mês, revejo álbuns estropiados de fotografias enterrados sob toneladas de poeira num quartinho da casa da minha mãe. E lá encontro o menino que eu fui metido em roupas que hoje não me caberiam. Ou eu não caberia nelas.  

Nessas horas, me sinto como uma sonda já cansada que, após milênios de errância galáxias abaixo e acima, encontra um planetinha habitado. 

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