Antes de sair de casa, tomou outra xícara
de café. Apanhou uma caneta e prometeu guardar silêncio ao longo
das próximas horas, fizesse chuva ou sol, morressem pandas ou não. Os pensamentos
assim, empurrando-se uns aos outros, como refugiados a desembarcar de um navio à
beira do naufrágio. Saiu. Voltou. Tinha esquecido o mp3, que pôs na mochila. Abriu
a geladeira mais uma vez. A garrafa cheia, tudo guardado, faltavam cervejas,
poucas frutas, nenhum chocolate, azeitonas vencidas, escassez de iogurte,
hambúrguer congelado, uma panela destampada. A água sempre com esse gosto estranho,
um sabor metálico, cheia de temperos. Considerou tomar outro banho, colocar
outra roupa, embarcar noutro ônibus e descer noutro ponto. Devolveu o mp3 à
mesa. Tampou a panela. Comeu uma azeitona. Gostou do sabor. Abriu a janela. Esperaria
que a chuva molhasse tudo.
Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...