Acabamos de ver o lugar, parece bem bom,
dois quartos, uma sala, cozinha ampla, uma janela, duas janelas, armário, pia,
três lances de escada, jarros, boa vizinhança, três homens sentados na calçada
bebendo refrigerante ou vinho ou suco de uva, um rapaz tatuado moreno bermudão
de tactel passando com a prancha debaixo do braço, 13h30 de uma sexta-feira, uma
varanda, duas varandas, vento, muito vento, bastante vento se querem saber, a
sala iluminada, branca, desejo imediato de armar a rede, a um passo do parque,
a dois do supermercado, a três da avenida, a quatro da escolinha do bairro, a
cinco de outra avenida, a seis da parada de ônibus e por aí vai, a proprietária
do prédio, por sua vez também dos apartamentos, o que inclui o nosso, tomando
por nosso a posse alheia agora locada para terceiros, no caso, a gente, a
proprietária e locatária e síndica, depois de vencer com dificuldades as escadas ("preciso me exercitar urgente"), deixou logo bem claro escolho todo mundo a
dedo, não quero que isso aqui vire cortiço, em seguida disparou a falar sobre as
benfeitorias e que as câmeras recém-compradas estavam a serviço dos condôminos,
mas eram também, assim como todo o resto, incluindo os filhos e marido,
propriedade dela, só então percebi que pouca coisa ali não era dela, exceto as
estrelas vistas do último andar, lá onde não faz um mês, segundo contou, um
grupo de moradores se reuniu para beber e ficar olhando o céu, o clarão espetacular
do infinito, contrariando, por razões óbvias que ela não fez questão de mencionar, as regras estabelecidas no
decálogo do prédio, que, embora não diga nada a respeito das estrelas
numa noite sem lua, dispõe de forma inequívoca sobre o uso de bebidas alcoólicas
nas dependências do condomínio, o que inclui o último andar, do qual, porém, as
estrelas não fazem parte e naquela noite, ao menos naquela noite, puderam se
esbaldar com vinho ou suco de uva ou refrigerante ou qualquer bebida, menos as lácteas.
Tenho ouvido cada vez mais “troca” como sinônimo de diálogo, ou seja, o ato de ter com um interlocutor qualquer fluxo de conversa, amistosa ou não, casual ou não, proveitosa ou não. No caso de troca, porém, trata-se sempre de uma coisa positiva, ao menos em princípio. Trocar é desde logo entender-se com alguém, compreender seu ponto de vista, colocar-se em seu lugar, mas não apenas. É também estar a par das razões pelas quais alguém faz o que faz, pensa o que pensa e diz o que diz. Didatizando ainda mais, é começar uma amizade. Na nomenclatura mercantil/militar de hoje, em que concluir uma tarefa é “entrega”, malhar é “treinar”, pensar na vida é “reconfigurar o mindset” e praticar é “aprimorar competências”, naturalmente a conversa passa à condição de troca. Mas o que se troca na troca de fato? Que produto ou substância, que valores e capitais se intercambiam quando duas ou mais pessoas se põem nessa condição de portadores de algo que se transmite? Fiquei pensando nisso mais te...
